segunda-feira, 19 de maio de 2008

O barulho das vozes de pessoas desconhecidas o alucinava, vagando de uma vida para outra, de uma frase para um sorriso, admirava as pessoas em volta, embriagado dos outros, ingeria pensamentos roubados, sentimentos ilusórios, essa era a sua arte, dissimular-se, adaptando-se a qualquer ambiente que estivesse.
Olhando em volta, reparou nos olhos de quem o fulminava com analises, duas esferas negras como o abismo mais profundo o tragava, sentiu os pelos do corpo se ouriçando, percebeu o silencio inexplicável que surgiu, uma presença ameaçadora o prendia numa batalha de olhares, havia alguém ali capaz de sobrepujar seu escudo, transpassando sua carne, indo direto em sua alma, traduzindo-a como quem traduz os sinais, de maneira alguma conseguiria resistir a tal presença invasora, e como que respondendo inflou seus desejos e iluminou sua loucura, espelhou-se no abstrato da vida e a fez perder-se dentro de si, em silencio havia acontecido um seqüestro de consciência, embora ninguém percebesse estava ali duas pessoas dançando em uma outra realidade, vagando num mundo suspenso, onde nada se materializa tudo se torna um só, criava-se ali um vinculo tão forte e indestrutível quanto a própria morte, e como que num transe aos poucos a energia física foi esgotando-se, e a realidade voltava a tornar-se percebível, os dois corpos voltam a serem habitados. Nunca soubera ao certo o que acontecera naquele instante, a única certeza que teria dali pra frente seria que aquilo era tão real como o próprio sonho. Levantou-se, pegou o casaco e sem olhar para traz saiu. Ao chegar à rua sentou-se na calçada, sua mente estava confusa, seu raciocínio estava lento, não sabia para onde ir, não sabia o que fazer, sentia seu coração pulsando como um vulcão em erupção, o mundo estava girando, seu corpo estava dormente, apoiou sua cabeça nos joelhos, e tentou expelir como toda a força aquela sentimento que o dominara, de quem eram aqueles olhos? Quem seria capaz de fazer isso?
Confuso e sem respostas, saiu a caminhar pelas ruas, vagando sem rumo. A brisa da madrugada o confortava refrescando-lhe o rosto, pensando se deveria ou não voltar e perder-se naqueles abismos, como conseguiria viver sem saber, nem ao menos viu o rosto, como lembrar de alguém, sem sequer ter visto a face da pessoa. De súbito passou-lhe pela cabeça, que a pessoa portadora dos dois olhos negros também deveria estar a questionar-se, não seria ela tão forte a ponto de ter-lhe feito àquela hipnose e ao mesmo tempo contemplado todo o resto de um ser, deveria ela também estar perguntando-se onde ele estaria. Recolheu todas as forças que pudera, e fez seus passos voltarem.
Seu coração palpitava freneticamente, seus dedos agitavam-se sem saber o que tocar, os lábios estavam dormentes, os pés queriam parar. Quando em frente a bar que há instantes havia abandonado, seus pensamentos tornaram-se um lago sereno, calmo e tranqüilo, sua mão pegou a maçaneta da porta e a torceu, seu corpo dando um passo para frente empurrou a porta, estava novamente no bar, olhou em volta e a principio não avistou ninguém, ninguém que tivesse aqueles olhos, mas algo dentro de si gritava que ela estava ali, esperando paciente por ele. Ao olhar novamente, esfregou os olhos, não seria possível, entregou-se ao cansaço e sentou-se, reparou no detalhe de cada pessoa que estivesse ali, invadiu o olhar através das pálpebras de todos ali presentes e assim permaneceu até o amanhecer do dia, e a ao cair da noite, e por todas as noites que assim seguiram-se.

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